terça-feira, 6 de julho de 2010

Quase


Estou à beira. Sinto vertigem na ponta dos dedos. Vejo os pedregulhos caindo metros a baixo, meu chão ruindo. O coração desritmado, sinto-me um tanto mais pêndulo. Jogar-me neste abismo fundo, negro, escuro: mensagem iminente. Mergulhar sete palmos por debaixo das raizes, sentir a paz... Ou o caos dos vermes-medo corroendo minhas entranhas podres.
Sou a qulquer instante por um triz. Lânguida e de olhar soturno, sou feito fumaça cinza. Tóxica.
Um dia olhei para cima e só vi gás. O mais azul fugaz. Percebi que o f i r m a m e n to era volátil e minha alma era éter eterno.
Eu, corpo extenso, sentindo-me ponto ínfimo e comprimido no meio do cosmo celeste. Ponto final de tudo. Possíveis, com o olhar já não tocava mais.
Se um dia eu pudesse ser estrela e explodir numa morte gloriosa, nunca esquecida para os que veriam meu brilho há anos luz. Se um dia virasse buraco negro e consumisse tudo em mim.
Coração em contagem regressiva, mãos gélidas, decisão. Vista turva, pés cansados, recuo um milímetro. Já não sinto mais a vida latejando na ponta dos dedos dos pés.
Olho para baixo e percebo que a vida é terra, úmida ou seca, fertil ou rochosa, ela é tudo o que de mais firme eu posso encontrar. Sou pó, de lá vim e para lá voltarei. Não tenho dúvida.
A seiva grossa percorre minhas artérias cheias de oxigênio, recobrando pouco a pouco as memórias. Ao eixo gravitacional retorno, volto aos braços fortes da razão, engulo saliva e sigo. Caminho deixando um rastro e fazendo a estrada com a visão, desbravando tudo íris e pupilas, perfurando o que vem à frente, descansando no horizonte infalível.
Assim, deixando o Sol acordar as células ainda rígidas, vou como se tudo não tivesse bastado.

7 comentários:

  1. Só lembro do velho Zeca:

    "Ando tão a flor da pele..."

    Muito bom teu texto Lia...

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  2. Parabéns pela expressividade. Por possuir um vocabulário tão rico e intenso. Parabéns por regar o nosso cociente intelectual e emocional.

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  3. prova total de que nao devemos ter medo das experiências! Tudo vale a pena viver...

    lindo texto!

    ;D

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  4. Um vocabulario bem vasto e palavras doces.

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  5. "percebo que a vida é terra, úmida ou seca, fértil ou rochosa, ela é tudo o que de mais firme eu posso encontrar."

    Esse pensamento foi o que mais me chamou a atenção no seu texto, Lia, belíssimo!, você sempre nos surpreendendo com os seus textos, com a escolha das palavras, com a profundidade que percebemos na sua escrita. Parabéns, querida.

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